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Pat Metheny: Vida e Obra (Parte II)

No período que medeia a gravação dos álbuns “The Road to You” (1993) e “We Live Here” (1995), Pat Metheny une-se a John Scofield para revelarem (junto de Steve Swallow e Bill Stewart) a evolução da guitarra e celebrarem a predominância e a paridade deste instrumento com os mais tradicionais no mundo do jazz. Com efeito, a chegada de Pat Metheny, John Scofield e Bill Frisell – “the big three” – catapultou a importância da guitarra neste estilo de música para níveis nunca antes vistos.

A composição “The Red One” é dedicada a uma das guitarras de Metheny, e mostra bem como dois guitarristas de topo podem ter linguagens tão distintas em som, atitude e abordagem. Enquanto Scofield se reconhece pela distorção, o som “funky”, os “licks” improvisados, o ritmo mais swingado com fraseado típico de um “bopper”, Metheny surge com a sua GR-300, som sintetizado, fraseado frenético e “vamps” melódicos, depositando toda a intenção não na frase em si mas em cada nota, sublinhando a sua importância. 

 

Frisell e Metheny

Metheny também gravou com Bill Frisell no álbum do baixista Marc Johnson – “The Sound of Summer Running” – em 1996. Neste disco idílico somos transportados para um ambiente de férias de Verão no qual a guitarra de Pat assume o lirismo que lhe é reconhecido no seu fraseado, enquanto Bill ganha espaço desenvolvendo o seu estilo encorpado por frases harmónicas. Note-se que, enquanto Pat faz uso da sua guitarra de corpo oco, típica do jazz (Ibanez PM-100), Bill embala-nos com o “twang” da sua Telecaster (corpo sólido), misturado pelos seus tão característicos “delays”, que dão profundidade e carácter ao seu som.

No tema “Ghost Town” podemos assistir ao primeiro solo de Metheny, com a dinâmica das suas frases tão expressiva que quase nos leva a perceber que “palavras” ele nos está a dizer. A subdivisão do tempo leva-o a comunicar-nos ora em tercinas, ora em semi-colcheias, o que deixa espaço à semínima e colcheia de Frisell, retratando um ambiente mais arejado e harmónico, tão característico em si. De facto, o solo de Frisell surge como a resposta à conversa iniciada por Metheny, num bom gosto raro de se encontrar. Já em “Union Pacific” ambos combinam uma abordagem mais enérgica sem, contudo, abalar a estética anteriormente referida. 

 

Haden e Metheny

Um ano mais tarde reúne-se com o contrabaixista Charlie Haden (que já tinha participado no álbum “80/81”) para gravar um trabalho referido por muitos como um “clássico intemporal” em que se incorporam elementos de jazz, folk e country. Este disco ganha um novo Grammy e é descrito por Haden como “contemporary impressionistic Americana”.

O álbum incorpora “standards” como “Two for the Road”, peças de Haden como “First Song” (música dedicada a uma de suas filhas) ou “Waltz For Ruth” (esposa de Charlie), um tema do filho de Charlie, Josh Haden, intitulado “Spiritual”, uma canção tradicional de nome “He’s Gone Away” e o tema do filme “Cinema Paradiso”, entre outros. Pat contribui, apenas, com uma canção sua que já havia gravado com Scofield – “Message to a Friend”.

Mais uma vez se revela, em todo o CD, a capacidade de Metheny respirar a composição que interpreta como se do seu próprio ar se tratasse. Interessante é a abordagem a “Message to a Friend”, bastante distinta da primeira versão que houvera gravado com Scofield. Aqui é Pat que assume maior protagonismo, enquanto Haden assegura o espaço necessário para o fraseado em “double-lines” e com auto-acompanhamento do guitarrista.

Refira-se que este disco fica marcado pelo uso da guitarra de nylon em contexto jazzístico, algo muito raro até então e que viria a ficar associado a músicos como Earl Klugh, que participou em álbuns de George Benson, para além dos seus próprios projectos. 

 

Metheny e Mays – Imaginary Day

No mesmo ano – 1997 –, o PMG lança o enigmático “Imaginary Day”, no qual a dupla Metheny e Mays explora peças-suite, reinventando o seu som e levando-o para um universo futurista numa das melhores gravações do seu tempo. É neste álbum que Metheny apresenta, em toda a sua plenitude, a sua guitarra-Pikaso de 42 cordas, na faixa “Into the Dream”, e explora ambientes sonoros que fazem lembrar um misto de harpa e sitar num registo de oitavas quase tão vasto como as oito oitavas de um piano.

Assinale-se, ainda, que neste mesmo álbum se inclui o tema com sonoridade techno “The Roots of Coincidence”, vencedor do prémio de melhor rock instrumental do ano. Demostra-se, assim e mais uma vez, a capacidade deste artista em transcender as barreiras do convencionalismo e surpreender com a novidade e a frescura que lhe são características. 

 

Tradição Vs. Modernidade

A lista infindável de parcerias do guitarrista levou-o a reunir, no ano de 1999, com mais lendas do jazz, tais como Gary Burton e Chick Corea no álbum “Like Minds” e no homónimo “Jim Hall & Pat Metheny”. No último, estes artistas de gerações distintas apresentam-se numa edição exclusivamente dedicada à guitarra, nela dando lugar a vários momentos de improvisação absolutamente livre e espontânea. De salientar a execução enérgica de Metheny no “all-time standard” “Summertime”, aí rasgando acordes de textura algo pop e misturando tons modernos (“Hip”) com a mais pura tradição de Hall.

Ainda em 1999 (ano em que grava “Time is of the Essence” de Michael Brecker), Metheny grava o seu terceiro álbum de originais do ano – “A Map of the World” –, a banda sonora do filme com o mesmo nome protagonizado por Sigourney Weaver e Julianne Moore. Este CD contou com a participação de uma orquestra de câmara conduzida pelo maestro Gil Goldstein, sendo a obra equiparada, por um lado, à escala orquestral antes apresentada em “Secret Story” e, por outro, ao paisagismo country e folk presente em “Beyond the Missouri Sky”.

Após 25 anos de carreira, durante os quais partilhou palcos e sessões de estúdio com inúmeras figuras do jazz e da música internacional, Metheny inicia um período de colaborações com músicos mais jovens tais como o contrabaixista Larry Grenadier e o baterista Bill Stewart, ambos vindos da cena de Nova Iorque.

Juntos gravam “Trio 99-00” em estúdio e “Trio Live 99-00” ao vivo. Nestes discos o trio apresenta uma versão enraizada na música brasileira do mítico “Giant Steps”, de John Coltrane, assim como temas mais antigos e novos originais do seu líder. Note-se que a secção rítmica aqui reunida regressa em 2006 e 2007 na colaboração entre Pat e o pianista Brad Melhdau que resultou em dois álbuns.

A reunião de músicos das novas gerações do jazz acabou por ocorrer, também, no PMG, despontando figuras dos quatro cantos do mundo como o baterista Antonio Sanchez (México), o trompetista Cuong Vu (Vietname) e o baixista, cantor e multi-instrumentista Richard Bona (Camarões).

Na sua essência, é esta a banda que grava “The Way Up” em 2005, junto dos insubstituíveis Lyle Mays (piano e sintetizadores) e Steve Rodby (baixista e produtor). O conceito deste álbum “extende” a ideia antes explorada pelos compositores – Metheny e Mays – de peças-suite, mas vai mais longe… Na verdade, todo o disco é uma só peça de 68 minutos, como que de um “concerto clássico” se tratasse, com dinâmicas e andamentos distintos.

Pat Metheny é um dos músicos mais activos do panorama internacional, como o mostram os mais recentes trabalhos de sua autoria. Em “Day Trip” (2009) regressa à sua formação originária – o trio – e apresenta-se ao público com mais um músico da nova geração, o contrabaixista Christian McBride, e com o baterista Antonio Sanchez. 

 

A Solo

Em toda a obra de Metheny surge um único álbum exclusivamente a solo – “One Quiet Night”, de 2003 – em que explora a guitarra-barítono com uma afinação “sui-generis”. A segunda e a terceira cordas da guitarra são, na verdade, as mais agudas do conjunto. Esta conjugação de factores permitiu-lhe explorar contextos harmónicos diferentes dos habituais num ambiente contemplativo muito próprio do compositor.

Em 2010 lança aquele que julgamos ser o seu trabalho mais vanguardista, surpreendente e inesperado de sempre – “Orchestrion”. Toca sozinho controlando uma parafernália de instrumentos através do toque na guitarra. A concepção que serviu de base para Metheny desenvolver esta nova estética e dimensão no jazz reporta-se aos seus tempos de infância, quando admirava os pianos que tocavam sozinhos através da manipulação de um rolo giratório colocado junto dos martelos, permitindo às teclas autopercutirem-se.

A ideia subjacente a todo o álbum é, então, a de controlar – através da guitarra – todo o universo musical próprio do contexto performativo do Pat Metheny Group, criando, assim, uma plenitude de texturas e timbres com um só músico e um só instrumento. Este projecto revela-nos toda a excentricidade e todo o experimentalismo de um guitarrista e compositor que explorou uma vasta imensidão de panoramas musicais, uma variedade de discursos performativos e uma panóplia de instrumentos e formas de tocar e criar algo novo. A surpresa do inesperado transformou-o num músico em constante processo de mistura de estilos musicais, o que lhe confere um estatuto de intensa antecipação do que ainda está para vir.

Pat Metheny sempre se mostrou um passo à frente da realidade, um músico à frente do seu tempo, enraizado na tradição e nos costumes do jazz contemporâneo e progressivo, da folk e do country, da pop e do rock, da clássica e da vanguarda. Metheny misturou tudo – tempo e espaço –, possibilitando-nos o acesso a um mundo que existe no universo imaginário do nosso dia-a-dia.

Passados 40 anos, continua a inovar e a fundir elementos. Quando pensamos que está tudo dito e não há mais para onde ir, Pat colabora com John Zorn em “The Book of Angels”. E o seu novo projecto – Unity Band – é sinónimo disso mesmo: união. União de povos, culturas e experiências. União de conceitos, estéticas e formas musicais. Metheny parece querer dizer-nos que tudo está ligado entre si, tanto numa micro como numa macro-perspectiva.

A Unity Band é a vida e obra de Pat Metheny reunidas num só ponto. É o Pat Metheny Group mais o artista a solo, mais as colaborações, mais o “Orquestrion”, mais a mistura de jazz “standard”, mais as composições originais e as suites… É um todo que se renova, evolui e continua a surpreender quem o vê e ouve.

Pat Metheny é um claro sinónimo de inspiração, criação e inovação para se ver, ouvir e (re)descobrir. O que virá a seguir?

 

Discografia seleccionada

A solo:“One Quiet Night” (2003); “Orchestrion” (2010)

Colaborações: com Ornette Coleman, “Song X” (1986); com John Scofield, “I Can See Your House From Here” (1996); com Charlie Haden, “Beyond the Missouri Sky” (1997); com Jim Hall, “Jim Hall & Pat Metheny” (1999); com Gary Burton e Chick Corea, “Like Minds” (1999); com Brad Mehldau, “Metheny/Mehldau” (2006) e “Metheny/Mehldau Quartet” (2007)

Trios: “Bright Size Life” (1976) com Jaco Pastorius e Billy Higgins; “Rejoicing” (1993) com Charlie Hadden e Billy Higgins; “Question and Answer” (1990) com Dave Holland e Roy Haynes; “Trio 99-00” e “Trio Live 99-00” com Larry Grenadier e Bill Stewart; “Day Trip” (2009) com Christian McBride e Antonio Sanchez

Pat Metheny Group: “Pat Metheny Group” (1978); “American Garage” (1979); “Travels” (1983);“First Circle” (1984); “Still Life Talking” (1987); “Letter From Home” (1989); “The Road to You” (1993); “We Live Here” (1995); “Quartet” (1996); “Imaginary Day” (1997); “Speaking of Now (2002); “The Way Up” (2005)

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