Gonzalo Bergara é um dos meus músicos favoritos de sempre. A sua música é pura alegria e a sua personalidade divertida e extrovertida faz com que seja ainda melhor conviver com ele.
Aqui está a história completa. E lembrem-se... “Nunca desistam!” 😉
1 - O que é que te inspirou a começar a tocar música? Fala-nos das tuas influências e do que se passava à tua volta nessa altura.
Eu tinha 11 anos e vi um videoclip dos Guns and Roses. O Slash estava a ser elevado do fundo do oceano tocando uma Gibson Les Paul e fazendo todos aqueles sons de baleia com ela. 🙂 Nesse momento decidi que ia tocar guitarra. No entanto, ainda não fiz essa cena em particular.
2 - Quais são os seus projectos actuais?
O Quarteto Gonzalo Bergara está a terminar o seu 4º CD, “Claroscuro”, que será lançado em novembro de 2015.
De volta a Buenos Aires, Argentina, começámos um novo projeto elétrico chamado “Zalo's Blues”. É um power trio onde eu toco guitarra e canto um pouco com fortes influências de blues texano e Hendrix.
Também vamos fazer um espetáculo dentro de algumas semanas com 12 das nossas composições arranjadas para quarteto de cordas e guitarra, um CD que gravaremos no próximo ano.
3 - Uma vez que és argentino, tenho de perguntar... e o Tango? Danças? 🙂 E relacionas o Tango com o Gypsy Jazz, de alguma forma?
Eu não danço, e há muito pouco tango de que gosto atualmente. Mas tem estado na minha vida desde o início, de uma forma ou de outra, por isso podem ouvi-lo na minha música, mesmo quando por vezes não consigo.
O drama, a intensidade, a paixão, por falta de palavras melhores, é daí que vem. A música de Astor Piazzolla, quer se trate de tango ou não, motivou-me muito a tentar escrever coisas melhores a toda a hora.
4 - Consegue identificar os elementos-chave que o motivam para a prática da guitarra?
Tenho uma personalidade um pouco obsessiva, e o jazz em geral permite-nos viajar por uma estrada sem fim. Penso que se trata da dádiva constante de ter a possibilidade de aprender ou descobrir algo novo.
Também sou muito bom a ouvir as minhas deficiências, o que me leva a praticar com bastante frequência.
5 - Quais foram os maiores desafios que enfrentou para progredir na sua prática, performance e carreira musical?
Eu diria para encontrar novas formas de atuar, para não ficar preso no mesmo sítio com as mesmas 8 frases. É muito fácil aborrecer-se a tocar as mesmas coisas vezes sem conta. Isto pode levar-nos a não ter vontade de praticar.
Quando encontramos algo novo, começamos a desenvolver essa capacidade, energia e imaginação que, de alguma forma, nos fazem apaixonar quase completamente pelo nosso instrumento. Procuro isso todos os dias e é difícil.
6 - Juntou-se a Adrien Moignard num dos novos projectos mais excitantes do Gypsy Jazz (Clássico). Conte-nos como nasceu esta parceria, a sua dinâmica e as suas realizações até à data.
Penso que no jazz cigano, como provavelmente acontece em todos os estilos de música, há muitos estilos diferentes dentro desse mesmo estilo. O Adrien e eu falávamos a mesma língua, gostávamos das mesmas coisas em particular no gypsy jazz.
É sempre muito mais divertido tocar com alguém com quem nos podemos relacionar dessa forma. Por isso é fácil, gostamos das mesmas coisas, juntamo-nos e tocamos e divertimo-nos.
7 - Lembras-te do teu processo de prática quando começaste a tocar? Quanto é que mudou ao longo dos anos?
Penso que, à medida que cresci como jogador e como pessoa, comecei a ser um pouco mais ponderado. Se calhar, à medida que envelhecemos, já não temos o tempo que tínhamos antes, por isso agora tento usar o meu tempo de forma mais sensata.
Hoje, se me vou sentar para praticar, vou trabalhar numa das coisas que sei que precisa de ser trabalhada. Penso no que vou praticar antes de me sentar. Depois, é só tocar e deixar-me divertir sem pensar muito no resultado.
(Gonzalo está de facto a falar de dois dos aspectos mais importantes da prática produtiva: PLANEAMENTO e PENSAMENTO DIFUSO. Mais sobre estes assuntos em posts futuros 😉 )
Continuo a fazê-lo, mas também gosto de dedicar o meu tempo a áreas específicas em que sinto que posso melhorar.
8 - Como é que é um dia normal na sua vida?
Se estou a viajar com a banda, é acordar, meter-me num carro, ir para o aeroporto, meter-me noutro carro, ir para o hotel, fazer o teste de som, comer, tocar no espetáculo, esperemos que depois haja uma reunião divertida e voltar para o hotel. Amanhã, a mesma coisa de novo.
Se estiver em casa, posso passar grande parte do dia a praticar, ou não praticar de todo. Tento fazer exercício, mexer com a minha mente e sentir-me melhor, como ler, estar com amigos, beber vinho, nada de extraordinário. Ouvir música, provavelmente sempre.
9 - Como é que equilibra o trabalho e o descanso?
Hoje respeito o meu desejo, independentemente do que sinto. Se não quiser tocar guitarra, não toco. Se quero tocar o dia todo, toco.
10 - Quais são os seus planos e objectivos futuros?
Este tem sido um ano muito ocupado para mim, em que trabalhei em três projectos completos. Gostaria de abrandar no próximo ano e talvez desfrutar de outras coisas, só para ter a certeza de que não me queimo demasiado.

11 - O Quarteto Gonzalo Bergara (re) introduz o elemento vocal e o violino na música manouche, mostrando que não se trata apenas de um estilo virtuoso de tocar guitarra. Isso foi algo que procurou deliberadamente ou simplesmente aconteceu?
A Leah Zeger juntou-se à banda e tinha uma técnica fantástica e excelentes cordas vocais, por isso deixo que as coisas se desenrolem naturalmente e soem bem. Seja lá o que for.
12 - Quais os principais ingredientes que gostas de ouvir na música que adoras?
Devo dizer: tempo, tom, imaginação, paixão, fogo e sensibilidade.
13 - Mudou-se da Argentina para França, trabalhou com Denis Chang (canadiano), tocou com Andreas Oberg (sueco), Joscho Stephan (alemão), entre outros músicos “estrangeiros”. Todos são de lugares diferentes mas conseguem juntar-se pela música. O que é que acha desta globalização do Gypsy Jazz?
Acho que a música sempre foi assim, é uma linguagem universal, é uma coisa humana. Somos todos um organismo de alguma forma e parece-me perfeitamente normal que a mesma coisa nos mova a todos.
14 - Também faz parte de uma comunidade em ascensão de tocadores de manouche gadjos (não ciganos) em França, incluindo Benoit Convert, Sebastien Giniaux, Adrien Moignard. De onde vem esta explosão de vitalidade, bom gosto e energia?
Penso que a responsável por isso hoje é a Bireli Lagrene. Ter a oportunidade de se esforçar para ser tão bom, um dia, faz com que todos nós tenhamos esse desejo.
15 - Medita?
Gosto de ler. Muitos dos livros de que gosto não são necessariamente sobre meditação, Tao ou religião, mas tocam um pouco nessas áreas.
16 - Existe algum ritual ou hábito que sinta que o puxa para um estado mais concentrado, claro ou consciente?
Gosto de ir à praia sempre que tenho uma oportunidade. Há qualquer coisa no oceano e no sol que me deixa mais tranquila.
17 - Qual é que considera ser o conselho mais importante que alguém lhe deu?
Não sei se lhe chamaria um “conselho”, mas tenho um momento muito claro na minha mente. Estava a divertir-me imenso a tocar num espetáculo e alguém gritou comigo quando se ia embora: “nunca parar”.
Nessa altura, pensei: “porque é que eu haveria de parar?”
Desde então, tenho-me deparado com momentos difíceis, momentos stressantes, em que penso: "ahh, era isto que ele queria dizer. Seria muito mais fácil desistir de tudo. “Nunca parar.”
18 - Qual é o aspeto mais importante do seu percurso de vida que gostaria que as pessoas recordassem?
Não sei se tenho uma resposta para isto. Gostaria de ter a certeza de que dei o meu melhor em tudo, enquanto aproveitava cada bocadinho do tempo que tinha.
19 - O que diria ao Django se tivesse a oportunidade de o conhecer?
Ouvi dizer que ele era uma pessoa difícil, por isso talvez tivesse mais curiosidade em conhecer este aspeto da personalidade do que a música.
20 - E qual seria o disco, o músico ou a canção que referiria sempre numa conversa com o Django?
Acho que a música clássica é o meu maior amor desde que me lembro, por isso seria uma peça de Debussy ou Ravel, sabendo que ele também gostava desses géneros.
21 - Já agora, como tu és argentino e eu sou português... Cristiano Ronaldo ou Lionel Messi? 🙂
Aqui não há futebol, meu caro. Tenho a certeza que são todos óptimos! 🙂
